Cada passo é uma história, e o Caminho escreve-as todas.
Quando a Arabela decidiu percorrer o Caminho de Santiago, não estava apenas a traçar um percurso no mapa, estava a testar os seus limites, a desafiar a mente e o corpo, e a abrir-se à imprevisibilidade da jornada. A cada etapa, encontrou desafios inesperados, momentos de superação e descobertas que só o Caminho pode oferecer.
Entre descidas difíceis, conversas inesperadas e a magia do “Buen Camino” trocado entre peregrinos, Arabela aprendeu que a verdadeira caminhada vai além da distância percorrida; é feita da força interior, da aceitação e da comunhão com tudo o que nos rodeia.
Conhece a história e deixa-te inspirar pela beleza do Caminho.
1. O que te motivou a fazer o Caminho?
Testar os meus limites: querer autoavaliar-me no que toca à minha resiliência e força mental, à minha resistência física e à minha capacidade de gerir imprevistos.
2. Quanto tempo passou entre decidires e começares o Caminho?
Aproximadamente 1 ano e foi uma decisão em conjunto com as pessoas que me iriam acompanhar.
3. Que caminho escolheste e porquê?
Escolhi o Caminho Central Português, percurso Valença do Minho – Santiago de Compostela. Na verdade, foi deste caminho que mais ouvi falar: amigos que já o fizeram e contaram as suas histórias, as experiências partilhadas no grupo de uma rede social. Tudo isto fez com que tivesse mais informação e então a decisão não foi difícil.
4. Quantos dias demoraste?
Esta aventura durou de um total de 8 dias, sendo que 6 foram a concretização das etapas do Caminho. (O 1º dia foi para viajar até Valença, o último foi para regresso a casa)
5. Que etapas fizeste e quais foram as mais marcantes?
Fizemos 6 etapas, cada uma especial, à sua maneira: Valença do Minho – O Porriño; O Porriño – Redondela; Redondela – Pontevedra; Pontevedra – Caldas dos Reis; Caldas dos Reis Padrón e Padrón – Santiago de Compostela. Percursos lindos, quase sempre pelo meio da natureza. Não posso negar que chegar a Santiago foi muito, muito especial; afinal, era o destino final. Mas excluindo esta, diria que a 1ª etapa foi também muito especial. Porque representou o momento da verdade, o dia em que colocas as botas no chão e vais seguir viagem, vais testar-te, estás cheia de energia e de curiosidade para perceber como se vive o Caminho.
6. Como te preparaste física e mentalmente para o Caminho?
Na verdade, não fiz uma preparação específica para fazer o Caminho, porque habitualmente faço desporto e seis treinos semanais – 3 de corrida (os quais acredito terem sido importantes para que os meus pés aguentassem a caminhada sem lesões) e 3 de musculação (que foram garantidamente uma ajuda para levar a mochila às costas sem sofrimento). Significa por isso, que a preparação física estava assegurada previamente. Mentalmente, eu tinha a certeza de que queria muito fazer O Caminho, portanto, só acreditei que era possível. Nunca me passou pela cabeça não ser capaz.
7. Fizeste o Caminho sozinho ou acompanhado? Se acompanhado, com quem?
Fiz o Caminho acompanhada com o Miguel, meu marido, e com a Maria e a Alexandra, duas amigas. Companhias fantásticas, cheias de boa disposição, de energia positiva. Sem pressões, sem imposições, todos os dias caminhámos juntos. Umas vezes lado a lado, outras vezes sozinhos nos nossos pensamentos, mas sempre juntos!
8. Qual foi o momento mais desafiante?
Curiosamente, foi a etapa mais pequena, que vai de O Porriño até Redondela. Embora tenha sido uma etapa curta, representou um desafio de altitude mais exigente, para mim, que as restantes etapas. As subidas revelaram-se relativamente fáceis de superar (embora duras). Mas as descidas eram mais difíceis porque era preciso travar; os pés escorregavam para a frente e os sapatos apertavam os dedos; foi um grande desafio, aguentar as descidas 😊. Também foi neste dia que ouvi “Não és tu que decides fazer o Caminho, é Santiago que que chama por ti!”
9. Houve algo que te surpreendeu durante o caminho?
Este foi o meu primeiro Caminho, por isso tudo foi uma surpresa. Desde a quantidade de peregrinos que por nós passaram, e por quem passámos, trocando sempre um Buen Camino; a natureza que nos acompanhou em quase todo o percurso; os recursos existentes ao longo do percurso. Mas a grande surpresa foi mesmo sentir a resposta do meu corpo. Sem falhas, sem lesões. Com dores, muitas dores, nos pés no final de cada dia. Mas depois do banho, das pomadas, do reforço alimentar e do descanso noturno, a recuperação era rápida e acordava “impecável”.
10. Qual foi a melhor refeição que tiveste no caminho?
Jantei muito bem em Padrón – na Pulperia Rial – e em Santiago de Compostela – no Petiscos Cardeal Tapas Bar
11. Onde encontraste a melhor estadia ao longo do percurso?
Escolhemos ficar em Albergues privados, para termos a possibilidade de marcar cedo, pela manhã. Todas as experiências foram positivas (à sua maneira), mas o que mais me agradou foi o Alojamento Camino Portugês em O Porriño. Registei que, em albergues privados, são-nos fornecidos toalha, lençóis e mantas, pelo que não teria sido necessário levar o saco-cama (foi um peso extra)
12. Conheceste alguém que te marcou?
Marcou-me uma senhora que veio do Canadá sozinha, aparentando uns 65-70 anos, que veio para fazer todo o Caminho Central Português – desde Lisboa até Santiago (24 etapas). Encontrei-a já a uns escassos 3 km de Santiago, muito assertiva na sua passada e a demonstrar ainda muita energia.
13. O que não pode faltar na mochila de um peregrino?
Na vossa mochila levem tampões para os ouvidos, vaselina, fisiocreme e compeed bolhas. (Foram recursos fantásticos para conseguir dormir nas camaratas que em alguns casos tinha 25 pessoas, bem como para tratar das dores e evitar bolhas nos pés). Na vossa bagagem, levem um sorriso e gentileza para entregar a cada pessoa que encontrem. Não só peregrinos, mas como todos os que tornam esta vossa aventura menos pesada (quem vos acolhe nos alojamentos, quem abre os estabelecimentos às 5 da madrugada para vos garantir pequeno-almoço, quem se cruza convosco na estrada e vos deseja buen camino …)
14. Como te sentiste ao chegar a Santiago?
Muito feliz! Nunca duvidámos de que seriamos capazes, mas não saberíamos em que estado chegaríamos. Chegámos muito bem. Cansados e doridos com toda a certeza, mas assim que entramos na Praza do Obradoiro, só sentimos felicidade e um sensação de missão cumprida.
15. Tens alguma música que marque o teu caminho para acrescentarmos à nossa playlist?
Curiosamente, não usei os fones durante as etapas, apenas à noite para conseguir concentrar-me na leitura. Durante a caminhada, não senti necessidade de ouvir música, ouvi sempre os sons que me rodeavam: os pássaros, a água, o vento e as vozes dos peregrinos. Fizeram-me estar ali, no momento! Contudo, numa das etapas cruzámo-nos com um artista de rua que tocava Imagine de John Lennon e essa música veio-me à memória diversas vezes.
16. Se só pudesses dar uma dica às pessoas que estão a pensar fazer o caminho, qual seria?
Vivam o Caminho, dia-a-dia! A cada etapa concluída, apreciem o quão longe chegaram e congratulem-se por essa conquista.
17. Houve alguma aprendizagem ou mudança pessoal que tenha resultado da experiência?
Há muitas aprendizagens, algumas delas ainda nem sabemos que as fizemos. Mas, no dia do Apagão (28 de abril), só quando chegámos a Pontevedra, pelas 17h00, já sem rede, com as lojas fechadas, apenas alguns bares/restaurantes abertos, é que percebemos a verdadeira dimensão e impacto do que estava a acontecer. Ainda foi possível tomar banho quente e voltamos para a rua, como a maioria das pessoas. Não foi possível jantar, apenas comprar umas batatas fritas de pacote e uns chocolates. Estava calor, as famílias optaram por levar as crianças e animais para passear e tirar partido da luz do dia. Não era possível telefonar para casa, nem enviar mensagens ou whatsapp, não havia rede. Optámos por ir ver a cidade (tanto quanto as pernas e pés permitiam, depois de 23,5km) e fomos brindadas com um lindo por do sol (às 20h24). Não houve pânico, embora existisse alguma preocupação. Contudo, não estava nas nossas mãos resolver o problema. Nada podíamos fazer a não ser confiar no processo, manter a calma e encontrar alguma beleza mesmo neste contexto adverso. Veio ao de cima alguma “resiliência serena” e capacidade de aproveitar o que o momento oferecia. O pôr do sol!
18. Após completares o Caminho, sentes que a experiência correspondeu às tuas expectativas iniciais? De que maneira?
Toda a experiência superou as minhas expetativas. Talvez porque não tinha termo de comparação, não sabia o que esperar. E fui, como me aconselharam, de coração e mente aberta. Tudo foi novidade e tudo foi lindo.
19. Participaste em alguma celebração ou evento cultural ao longo do Caminho? Como foi essa experiência?
Participei na Missa do Peregrino e no Abraço ao Santiago. A celebração da missa foi partilhada com mais dois sacerdotes: um dos USA e outro da Ucrânia. Que vinham a acompanhar grupos e peregrinos destes países. Senti-me pequenina diante da grandiosidade deste Caminho e de tudo o que nele se vivencia. Mas senti-me acolhida e abraçada.
20. Se tivesses que descrever o Caminho em três palavras, quais seriam?
Aceitação. Superação. Comunhão
21. Tens planos de fazer o Caminho novamente ou explorar outras rotas?
Tenho. Ainda não tínhamos partido para esta primeira aventura e já estava a pensar em qual seria a próxima 😊. No entanto, embora saiba que quero repetir, ainda não está decidido qual o Caminho. Estou muito interessada em descobrir o Caminho Santiago – Finisterra. Mas por agora é hora de absorver tudo o que este Caminho me trouxe e que ainda nem tomei consciência. Ainda é tudo muito recente, ainda estamos a viver das memórias, das histórias.