“A Caminho” com a Ana Barros
Celebrar os 50 anos com uma festa? Nem pensar! Para a Ana, a melhor forma de assinalar meio século de vida foi percorrer o Caminho de Santiago, com botas nos pés, mochila leve e o coração cheio de vontade de criar memórias.
Nesta entrevista, partilha connosco como foi planear e viver o Caminho Português entre Pontevedra e Santiago, acompanhada pela família e amigos. Fala-nos dos desafios, das surpresas, das melhores refeições e da emoção de chegar a Santiago no dia do seu aniversário.
Uma conversa inspiradora para quem sonha fazer o Caminho e procura uma experiência autêntica, simbólica e profundamente humana.
1. O que te motivou a fazer o Caminho?
Chegar aos 50 foi para mim um marco simbólico. Não pretendia celebrar com grande festa, porque apesar de gostar muito de aniversários, não gosto nada de ser o centro das atenções. O Caminho de Santiago surgiu como uma forma diferente de comemorar a vida de maneira mais significativa e que ficasse na memória como um dia especial: caminhando e partilhando tempo verdadeiro com quem melhor me conhece. Era também um desejo antigo que se foi adiando. A ideia de o fazer exatamente nesta idade pareceu-me simbólica: meio século de vida, celebrar o caminho percorrido, tempo de olhar para trás e para a frente.
2. Quanto tempo passou entre decidires e começares o Caminho?
Apesar de ter esta ideia há alguns anos, só passei à ação três a dois meses antes do meu aniversário. Foi quando marquei as viagens e decidi, finalmente, ultrapassar o meu “síndrome do impostor” e desafiei os meus amigos e familiares a virem comigo.
3. Que caminho escolheste e porquê?
Escolhi este percurso (Caminho português: Pontevedra- Santiago) por duas razões: Primeiro, porque era uma rota acessível para o tempo que tinha disponível — quatro dias de caminhada — e segundo, porque queria que fosse uma experiência partilhada com a minha família e amigos. Quis que fosse o suficiente para sentir o espírito peregrino, sem que se tornasse uma prova de resistência e sem sofrimento. O troço de Pontevedra a Santiago tinha tudo o que eu procurava: natureza, aldeias acolhedoras, história e um ritmo que permite caminhar e conversar. E mesmo sabendo que não faria os 100 km necessários para a Compostela, o meu objetivo era outro — colecionar memórias, não certificados.
4. Quantos dias demoraste?
O Caminho em si demorou quatro dias. Dividimos o percurso em etapas equilibradas, para conseguir aproveitar cada momento sem pressa.
5. Que etapas fizeste e quais foram as mais marcantes?
O nosso percurso foi o Caminho Português, dividido em quatro etapas:
Pontevedra → Caldas de Reis (22 km)
Caldas de Reis → Padrón (19 km)
Padrón → Milladoiro (18 km)
Milladoiro → Santiago de Compostela (8 km)
6. Como te preparaste física e mentalmente para o Caminho?
Fisicamente, o mais importante foi testar o calçado — comprei as botas com alguma antecedência e fiz várias caminhadas para as amaciar e adaptar os pés ao ritmo do Caminho. Mentalmente, procurei sobretudo cultivar a humildade de aceitar o privilégio que estava a viver — poder fazer o Caminho, com saúde, com pessoas que me conhecem bem, e num momento simbólico da minha vida.
7. Fizeste o Caminho sozinho ou acompanhado? Se acompanhado, com quem?
Fiz o Caminho acompanhada — e não podia ter tido melhor companhia. Apesar das distâncias e compromissos de cada um, surpreendentemente, o meu marido, os meus três irmãos e mais dois amigos alinharam de imediato. 4 da Madeira, um de Coimbra e outro da Noruega. Encontrámo-nos todos em Pontevedra, prontos para a nossa aventura.
8. Qual foi o momento mais desafiante?
Não sei bem. Julgo que o momento que senti as forças a fraquejar um pouco foi antes de chegar a Milladoiro, sobretudo pelo calor que se fazia sentir.
9. Houve algo que te surpreendeu durante o caminho?
A excelente sinalização e limpeza do percurso, a simpatia dos habitantes das aldeias que passámos — sempre prontos a desejar um “Buen Camino!” — e a hospitalidade dos cafés e restaurantes locais.
10. Qual foi a melhor refeição que tiveste no caminho?
Como bons apreciadores de gastronomia, o grupo levava esse ponto muito a sério! Tivemos ótimas experiências, mas destaco o restaurante O Muíño, em Caldas de Reis — uma combinação perfeita de comida e ambiente acolhedor. Uma curiosidade deliciosa: ao longo do percurso, em vários cafés e restaurantes, ofereciam-nos sempre algo, muitas vezes a sobremesa. Pequenos gestos que deixavam o coração cheio.
11. Onde encontraste a melhor estadia ao longo do percurso?
A melhor experiência de alojamento foi, sem dúvida, em Villa Galícia, em Caldas de Reis. Chegar, mergulhar na piscina e sentir o corpo relaxar depois de um dia intenso foi um verdadeiro presente. É uma opção acessível, confortável e com aquele toque de tranquilidade que todos os peregrinos valorizam.
12. Conheceste alguém que te marcou?
Deu para conhecer vários tipos de peregrinos: os que gostam de ir sozinhos, alheados de tudo, os que vão em grupo em euforia coletiva, aqueles que vão para se meterem com todos os peregrinos e até se esquecem dos seus companheiros enfim…cada um com o seu propósito Gostei de ver o exemplo de muitos casais e pessoas mais velhas, caminhando com muita força de vontade e resiliência.
13. O que não pode faltar na mochila de um peregrino?
Tivemos a sorte de ter no grupo um verdadeiro especialista em listas e por isso, nada nos faltou.…posso partilhar a nossa versão resumida. Fomos leves porque aderimos ao serviço de transporte de bagagem entre alojamentos o qual aconselho! Funcionou de forma exemplar 5*.
14. Como te sentiste ao chegar a Santiago?
Foi um momento agridoce. A emoção da chegada misturou-se com um certo vazio — era o dia do meu aniversário, e senti a ausência dos meus filhos. Mais do que a meta, o que me tocou profundamente foi o caminho até lá: cada etapa, cada passo partilhado, cada conversa. Mas logo depois foi tempo de sentir a cidade e celebrar o momento.
15. Tens alguma música que marque o teu caminho para acrescentarmos à nossa playlist?
Não ouvimos música mas cantamos algumas vezes entre risos e pausas, e houve músicas que ficaram na memória:“Peregrino, aonde vais, se não sabes por onde ir? Peregrino, tens um caminho p’ra descobrir.” Espresso Macchiato (não perguntem!) E, em Padrón, inspirados por Rosalía de Castro, fomos brindados com um fado de Coimbra — Cantar de Emigração
16. Se só pudesses dar uma dica às pessoas que estão a pensar fazer o caminho, qual seria?
Confiem e vão!
17. Houve alguma aprendizagem ou mudança pessoal que tenha resultado da experiência?
Acho que não, mas ficou a certeza de que são estas experiências que ficam para a vida. Desde o início, o meu lema #acriarmemorias acompanhou-nos em todas as etapas, nas mensagens do grupo, nas credenciais e até nas pequenas surpresas que preparei para o grupo. Para mim #acriarmemorias não é apenas uma frase: é uma forma de viver. Quis que este Caminho fosse mais do que um desafio físico — que fosse uma oportunidade para criar momentos que ficassem guardados em cada um de nós, mesmo depois de concluir o caminho.
18. Após completares o Caminho, sentes que a experiência correspondeu às tuas expectativas iniciais? De que maneira?
Sim, superou porque tinha o receio que fisicamente não estivesse preparada e porque não esperava que corresse tão bem a todos os níveis. Correu melhor do que esperava — pela harmonia do grupo, pela beleza do percurso e pelo equilíbrio perfeito entre desafio e leveza.
19. Participaste em alguma celebração ou evento cultural ao longo do Caminho? Como foi essa experiência?
Fomos à Missa do Peregrino na Catedral de Santiago, com direito a Botafumeiro e tudo!
20. Se tivesses que descrever o Caminho em três palavras, quais seriam?
#acriarmemorias
21. Tens planos de fazer o Caminho novamente ou explorar outras rotas?
Gostava de conhecer o Caminho Francês.





