“A Caminho” com o João


Há quem faça o Caminho uma vez e leve-o para a vida. João decidiu levá-lo literalmente seis vezes, por rotas diferentes, com histórias que se cruzam entre paisagens, encontros e superações. Aos 68 anos, continua a responder ao chamamento com a leveza de quem sabe que o verdadeiro desafio não está nos quilómetros, mas na entrega.

Nesta entrevista, o João partilha o que o move, o que o surpreende e o que aprendeu ao longo de centenas de passos. Uma conversa que nos lembra que o Caminho não se faz só com os pés, faz-se com alma.


1. O que te motivou a fazer o Caminho?
Em 2024 fiz o caminho pela 6 vez. Fiz 3 vezes o caminho Português, duas a partir de Valença e a outra a partir do Porto. Fiz também por 3 vezes o caminho Francês, duas a partir de Sarriá e, no ano passado a partir de Saint Jean Pied de Port. O que me motiva é o gosto pela da sensação de liberdade que me dá, o convívio com diferentes pessoas e o contacto com a natureza. Também é um desafio pessoal, saber que com 68 anos, ainda sou capaz.

2. Quanto tempo passou entre decidires e começares o Caminho?
Para partir não é necessário quase nada e como tal a decisão é simples e rápida, é só definir a melhor altura para o fazer ou, nos trajetos de 110km, de uma semana, aproveitar a oportunidade quando surge.

3. Que caminho escolheste e porquê?
Como já referi em 2024 fiz o caminho Francês porque queria fazer os seus quase 800Km e o caminho Português até ao Porto ainda tem poucas estruturas de apoio e pouca gente.

4. Quantos dias demoraste?
Demorei 39 dias ao todo, mas destes foram cerca de 2 de viagem de ida e volta, um a gozar Santiago e estive 3 dias a recuperar de um entorse no pé em Pamplona. Como tal, foram cerca de 33/ 34 dias a caminhar.

5. Que etapas fizeste e quais foram as mais marcantes?
De Saint Jean a Santiago fiz todas as etapas, todo o caminho. Mesmo tendo feito o entorse no pé entre Zubiri e Pamplona, quando retomei voltei ao ponto onde tive de desistir por não conseguir caminhar mais. Não ficou um metro por fazer. Em tantos dias há muitas etapas marcantes

6. Como te preparaste física e mentalmente para o Caminho?
Normalmente caminho 3 vezes por semana, assim, estou sempre relativamente preparado, mas acho que a preparação principal faz-se no caminho, ao fim de uma semana o corpo parece outro e a distância faz-se com mais facilidade.

7. Fizeste o Caminho sozinho ou acompanhado? Se acompanhado, com quem?
Eu parti sozinho, mas só estive só quando quis. No caminho encontramos e fazemos muitos amigos, especialmente quando se trata destas distâncias em que vamos cruzando com as pessoas pelo caminho múltiplas vezes e, com algumas delas, durante semanas. Por vezes perdemos as pessoas, que vão fazendo etapas distintas, e ao fim de algum tempo há uma grande festa de reencontro. Mas também gosto de caminhar só e ir pensando, meditando, reencontrando-me fora do ruido do nosso dia a dia.

8. Qual foi o momento mais desafiante?
Quando fiz a entorse no pé, ainda só tinha feito 70Km e estava a ver que não ia conseguir continuar, desanimei por completo. Foi um amigo que me levantou do chão e me deu os seus bastões para eu continuar, nunca tinha usado bastões e sem eles não teria conseguido recomeçar e continuar. Foram os amigos com que me fui cruzando no Albergue de peregrinos de Pamplona que me foram apoiando e incentivando.

9. Houve algo que te surpreendeu durante o caminho?
As pessoas, conheci gente de todo o mundo e fico surpreendido com as nossas parecenças, em termos de valores, de objetivos de vida, do que valorizamos e consideramos realmente importante, e, no entanto, somos tão diferentes.

10. Qual foi a melhor refeição que tiveste no caminho?
As melhores refeições foram as que foram feitas com amigos e tiveram festa e estas foram quase sempre nos albergues em que cada um entrava com uma parte e depois partilhávamos, mas também em restaurantes. Relembro com saudade as refeições nos albergues paroquiais, de donativos, alguns dos quais nós ajudávamos na confecção da refeição e em todo o processo e eram sempre animados pois os voluntários responsáveis procuram sempre imprimir uma dinâmica diferente e há uma partilha de pensamentos e opiniões e há uma viola que aparece para animar com musica. Mas se a melhor refeição se refere à comida, a melhor parte do caminho gastronómico é a Galiza mas lembro um excelente jantar de tapas, regado com um bom vinho tinto, em burgos, para despedida de um amigo e o cozido de Astorga. Em Santiago, como fui dos 10 primeiros a chegar para tratar da Compostela, tive direito a um voucher para almoçar no restaurante do Parador.


11. Onde encontraste a melhor estadia ao longo do percurso?
No Albergue Municipal de Hornillos del Camino porque lá fora a tempestade Kirk mandou arvores ao chão e eu do meu beliche via as arvores serem sacodidas loucamente e dentro do saco cama tinha uma sensação de calor e proteção.

12. Conheceste alguém que te marcou?
Biff, um americano que tinha acabado de vender o seu negócio para se reformar, louco e completamente fora da caixa, e Jean um Francês, também reformado, super meticuloso e certinho. Os 3 caminhámos juntos durante mais de 10 dias até o Jean ter de regressar a Paris e o Biff ter de acelerar o passo para não perder o avião de volta aos EUA.

13. O que não pode faltar na mochila de um peregrino?
Água, um protetor para a chuva, um canivete, a certidão do peregrino e a concha.

14. Como te sentiste ao chegar a Santiago?
Uma enorme alegria por ter chegado e conseguido, mas acho que se lhe sobrepôs uma tristeza por ver que ao fim de tantos dias tinha terminado.

15. Tens alguma música que marque o teu caminho para acrescentarmos à nossa playlist?
“Just a perfect day” de Lou Reed, que Biff um amigo americano com quem caminhei durante alguns dias colocava com frequência.

16. Se só pudesses dar uma dica às pessoas que estão a pensar fazer o caminho, qual seria?
Não mistifiquem o caminho, pura e simplesmente vão, não é preciso muito dinheiro, não é necessário preparação prévia, basta uma mochila e o mínimo possível de coisas, se necessário tudo se compra no caminho e há muito apoio.

17. Houve alguma aprendizagem ou mudança pessoal que tenha resultado da experiência?
Duas, o caminho não é uma competição, deve ser feito ao nosso ritmo e apreciado devidamente, como dizia o poeta, temos de beber a água em todas as fontes. A outra é uma crença reforçada na humanidade e na natureza das pessoas.

18. Após completares o Caminho, sentes que a experiência correspondeu às tuas expectativas iniciais? De que maneira?
Totalmente! Depois de ter atravessado os Pirenéus, os campos cultivados de Navarra, as intermináveis ​​planícies da meseta ibérica, as florestas encantadas da Galiza, ter provado as comidas, os vinhos, os queijos, bebido cerveja e comido tapas nos mais diversos locais, sempre na companhia de pessoas fantásticas de todos os continentes e idades, cheguei a Santiago com a alma cheia de alegria e vontade de agradecer por este mundo maravilhoso em que vivemos.

19. Participaste em alguma celebração ou evento cultural ao longo do Caminho? Como foi essa experiência?
Sim, participei em diversas celebrações, duas marcaram-me particularmente, a Missa do Peregrino em Santiago, que é sempre um momento muito emotivo e forte e a do Cebrero que terminou com uma benção muito especial dos peregrinos.

20. Se tivesses que descrever o Caminho em três palavras, quais seriam?
Liberdade, camaradagem e natureza.

21. Tens planos de fazer o Caminho novamente ou explorar outras rotas?
Claro, enquanto as pernas me permitirem. A próxima há de ser o Caminho Primitivo até Finisterra. Pretendo também, um dia, fazer o Caminho Português a partir de minha casa em Cascais.


"A Caminho" com o João

Há quem faça o Caminho uma vez e leve-o para a vida. João decidiu levá-lo literalmente seis vezes, por rotas diferentes, com histórias que se cruzam entre paisagens, encontros e superações. Aos 68 anos, continua a responder ao chamamento com a leveza de quem sabe que o verdadeiro desafio não está nos quilómetros, mas na entrega. Nesta entrevista, o João partilha o que o move, o que o surpreende e o que aprendeu ao longo de centenas de passos. Uma conversa que nos lembra que o Caminho não se faz só com os pés, faz-se com alma.

"A Caminho" com a Sónia

Há caminhos que se percorrem com os pés, e outros que se fazem com o coração. Para Sónia, o Caminho de Santiago foi ambos uma jornada física e espiritual, iniciada com a urgência de se reencontrar consigo mesma. Sozinha, mas profundamente acompanhada pelas suas emoções, enfrentou silêncios, sombras e paisagens que a ensinaram que a felicidade pode ser simples, e que o amor é sempre a resposta. Nesta entrevista, partilha como cinco dias de peregrinação se tornaram num regresso à sua essência.

"A Caminho" com a Bruna

Nem sempre a motivação para partir vem de um único lugar. Para Bruna, o Caminho foi um gesto de gratidão, um desafio pessoal e uma oportunidade de reencontro consigo mesma. Sozinha, mas aberta ao mundo, percorreu trilhos entre natureza e silêncio, descobrindo que cada passo tem o poder de curar, transformar e revelar. Nesta entrevista, Bruna partilha como o Caminho a ensinou a confiar, a observar com calma e a seguir em frente, um passo de cada vez. Porque, como diz, quando se quer muito, o corpo acompanha e a mente floresce. Lê a entrevista completa ⬇️

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