“A Caminho” com Carlos e a sua família.

O Carlos já era um peregrino antes de 2020. Com a ajuda do sogro – que sempre teve o sonho de fazer o trajeto até Santiago de Compostela – partiu de bicicleta à aventura, em 2009. Onze anos depois, repetiu o caminho mais duas vezes mas não foi sozinho. Consigo seguia à descoberta a mulher, Isabelle, e os filhos do casal, Yaël e Sam.
Descobre mais sobre esta família, a sua experiência até à capital da Galiza e como é preparar o Caminho com duas crianças. 

Porque decidiste fazer o caminho com a tua família?
Carlos: Eu já tinha percorrido o Caminho Francês de Santiago em 2009 de bicicleta. Na altura, o meu sogro, muito entusiasmado, ajudou-me nos preparativos do meu equipamento. Ele sempre sonhou fazer a peregrinação até Compostela, mas nunca encontrou tempo para realizar o seu sonho. Sendo agricultor, trabalhava todos os dias da semana e praticamente todas as semanas do ano. Quando se reformou, o seu estado de saúde deteriorou-se e acabou por faleceu em 2017.

O meu sogro era muito próximo dos netos e tinha uma ligação especial com os meus filhos, Yaël e Sam, que até hoje sentem muita falta do avô.

Em 2020, estávamos a sair de uma longa etapa de confinamento devido à pandemia, e resolvi que iríamos fazer algo diferente nas férias de verão. Contei-lhes sobre o sonho do avô em percorrer o Caminho de Santiago, expliquei o contexto da peregrinação e propus que fizéssemos em família a caminhada até Compostela em memória do avô. Eles aceitaram a ideia com muito entusiasmo.

No início de Agosto de 2020, eu, a minha mulher, Isabelle e os meus filhos Yaël (na altura 6 anos) e Sam (na altura 3 anos) partimos até ao Porto e iniciámos a pé o Caminho Português da Costa até Santiago de Compostela. Os meus filhos gostaram tanto da experiência que pediram para repetir a peregrinação no ano seguinte (2021). No segundo ano fizemos novamente o Caminho Português da Costa mas desta vez com a variante espiritual.

Como é que tu e a tua família se prepararam para o caminho?
Carlos: Os meus filhos gostam de caminhar por florestas e recolher lixo num grande saco de plástico “para ajudar a salvar o planeta”. Intensificámos a duração dessas caminhadas e fizemos também longos passeios de bicicleta, mesmo sabendo que iríamos a pé, para habituá-los a manter-se em atividade por longos períodos.

Fizeste o caminho com duas crianças, tentaste fazer algo para tornar o trajeto mais confortável?
Carlos: Nós tínhamos um certo receio que as crianças se sentissem esgotadas fisicamente entre duas etapas e tivéssemos que carregá-las em braços (mais o peso das mochilas nas costas …). Para solucionar este problema, eu arranjei um carrinho especial para a prática de desporto que acomodou confortavelmente os dois nos momentos de cansaço. Eu e a minha mulher fazíamos turnos para levar o carrinho.

No ano seguinte [2021] eles já não cabiam no carrinho e tivemos que levar dois carrinhos para poder completar a jornada.

Em quantos dias fizeste as etapas? E quais foram as etapas?
Carlos:
Em 2020 fizemos 16 etapas: Porto, Vila Chã, Póvoa do Varzim, Esposende, Anha, Viana do Castelo, Seixas, Vila Nova de Cerveira, Valença, Porriño, Redondela, Pontevedra, Caldas de Rei, Padrón, A Picaraña e Santiago de Compostela.

Em 2021 fizemos em 18 etapas: Porto, Vila Chã, Póvoa do Varzim, Esposende, Anha, Carreço, Vila Praia de Âncora, Seixas, Vila Nova de Cerveira, Valença, Porriño, Redondela, Pontevedra, Armenteira, Vilanova de Arousa, Padrón, A Picaraña e Santiago de Compostela.

Qual foi o albergue mais apropriado a famílias em que ficaste? 
Carlos: É importante lembrar que, nos dois anos que fizemos o Caminho, a maioria dos albergues públicos estavam fechados. Ficávamos em albergues privados e em hotéis.

A estrutura dos alojamentos locais é excelente por todo o Caminho da Costa, mas alguns albergues foram muito especiais devido à gentileza das pessoas: a Casa da Carolina em Anha, a Casa do Sardão em Carreço e o Albergue São Bento em Seixas 

Qual foi o percurso que mais gostaste?
Carlos: Em 2020 gostámos muito do percurso entre Esposende e Anha, principalmente a região do rio Neiva. Já em 2021 ficamos surpreendidos com a beleza da variante espiritual, destacando aqui a “Ruta da Pedra e da Auga.

O que te deixou mais surpreendido no trajeto?

Carlos: Além de toda a belíssima paisagem, as lindas aldeias, vilas e cidades por onde passámos, ficamos também surpreendidos pela gentileza dos moradores para com as crianças. Em vários lugares as pessoas ofereceram frutas, água e guloseimas às crianças e muitos quiseram conversar com eles (que não falam português mas lá se entendiam com gestos e mímicas)

E houve algum momento mais difícil? Porquê? 

Carlos: Nas duas vezes que percorremos o Caminho com as crianças, seguimos sempre as setas amarelas sem nos desviarmos dos terrenos mais difíceis, portanto, tivemos que carregar o carrinho várias vezes, algumas delas com muita dificuldade, como por exemplo na “Ruta da Pedra e da Auga”.

Houve um momento especialmente difícil em 2020 quando chegámos à ponte do rio Neiva e constatamos que esta se tinha desmoronado dias antes. A opção seria atravessar o rio a pé ou andar 5 quilómetros a mais para atravessá-lo. Optamos pela solução mais molhada e gelada: atravessamos várias vezes o rio Neiva com as crianças nos braços e, por fim, atravessamos com o carrinho, carregando-o acima das nossas cabeças para não o molhar.

Qual foi a melhor refeição do caminho?
Carlos: Como todo o brasileiro, eu gosto muito de arroz com feijão e não encontrava essa opção em nenhum restaurante. Finalmente em Seixas, a pessoa que estava à frente do albergue telefonou para um restaurante local, o Restaurante São Bento, e a proprietária preparou-nos uma enorme panela de feijão só para nós, pois não constava no cardápio. Foi o melhor arroz com feijão que comemos na vida.

Quem é que conheceste no caminho que nunca vais esquecer?

Carlos: Encontramos pessoas queridíssimas das duas vezes que percorremos o Caminho em família, mas tivemos um carinho muito especial pela família Maciel que tem o albergue “A Casa de Carolina” em Anha e a amabilíssima Dona Cândida, gerente do Albergue São Bento em Seixas. Quando fizemos o Caminho pela segunda vez, os meus filhos “exigiram” ficar hospedados nestes dois albergues para rever estas pessoas maravilhosas

O que não pode faltar na mala de um peregrino que viaja com duas crianças? 

Carlos: Materialmente falando, nada de especial. A infraestrutura do Caminho possui tudo o que possamos vir necessitar.

Se só pudesses dar uma dica às pessoas que estão a pensar fazer o caminho, qual seria? 
Carlos: Não adiem os planos, não esperem pelo momento ideal. Se querem fazer o Caminho, façam-no agora.

Qual foi a reação da primeira vez que chegaste a Santiago de Compostela? 

Carlos: Foi um momento familiar de muita emoção.  As crianças ficaram maravilhadas ao ver a Catedral pela primeira vez. Demos um abraço forte e chorámos. Depois, os pequenos foram depositar a foto do avô em frente ao túmulo do apóstolo e deliciaram-se com o sentimento de “missão cumprida” que nos atingiu a todos.

 

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