“A Caminho” com a Carolina

Hoje temos o prazer de partilhar a inspiradora experiência da Carolina, que decidiu embarcar na aventura de percorrer o Caminho Português de Santiago após um ano desafiante de Mestrado. A viver num ponto de passagem frequente de peregrinos, a Carolina sempre sentiu uma vontade de fazer o Caminho. Com a intuição de que essa experiência seria positiva, escolheu o Caminho Central Português e partiu apenas dois meses após tomar a decisão.


1. Porque decidiste fazer o Caminho? Entre decidir e ir, quanto tempo passou?
Vivo num ponto de passagem frequente de peregrinos então desde que me lembro sempre quis fazê-lo! Decidi arriscar depois de um ano de Mestrado muito desafiador a todos os níveis (mas para ser honesta quando decidi fazer não sabia muito bem porquê). Sentia que tinha que o fazer e como me disseram na altura “O teu Caminho começa quando pensaste em fazê-lo” isso foi suficiente. Creio que passaram 2 meses entre decidir e ir.

2. Qual foi o Caminho que escolheste fazer?
Escolhi o Caminho Central Português.

3. Quantos dias demoraste? 
Demorei 7 dias.

4. Que etapas fizeste?
Iniciei o Caminho em Ponte de Lima, seguindo para Rubiães (17,8km); Rubiães – Tui (20,2km); Tui – Redondela (31,8km); Redondela – Pontevedra (20,8km); Pontevedra – Caldas de Reis (21,5km); Caldas de Reis – Padrón (18,9km) e Padrón – Santiago de Compostela (25,3km).
Normalmente há peregrinos que dividem a etapa entre Tui e Redondela em dois dias, fazendo paragem em Porriño. Numa próxima vez talvez também divida em duas etapas porque com 31km num só dia os dias seguintes custaram um bocadinho mais, o cansaço já estava a pesar.


5. Como te preparaste fisicamente para o caminho? 
Sou uma pessoa ativa, corro e faço exercício regularmente e por isso subestimei a preparação física para o caminho… Não senti que estivesse mal preparada fisicamente, mas gostava que alguém me tivesse recomendado fazer caminhadas com a mochila para me habituar ao peso da mochila!!

6. sozinho ou acompanhado? Se foste acompanhado, com quem? 
Iniciei o Caminho sozinha, mas como bem se diz, no Caminho nunca se está sozinho. Mesmo planeando caminhar sem estar acompanhada, surpreendi-me com o espírito peregrino de preocupação e companheirismo!

7. Qual foi o momento mais difícil? 
Sendo honesta, os dois primeiros dias foram bastante desafiadores mentalmente! Como se sabe, é comum os peregrinos iniciarem o Caminho em Tui, uma vez que é uma das cidades que permite fazer a distância mais perto dos 100km, para obter a Compostela. Com isto quero dizer que, estando sozinha, os dois primeiro dias entre Ponte de Lima e Tui foram exigentes porque não vi nenhum peregrino ao longo do caminho. Sei que temos sempre peregrinos à nossa frente e atrás de nós, mesmo que não os vejamos, mas, num primeiro caminho, sozinha, sem ver absolutamente ninguém durante quilómetros e quilómetros comecei a ter medo. O medo surgiu logo no primeiro dia depois de um encontro não muito agradável com uma senhora num sítio super remoto no meio do nada, que tentou oferecer-me comida de uma forma muito estranha e persistente. No entanto, a partir de Tui, rodeada de vários peregrinos, este sentimento menos bom desapareceu totalmente, nunca mais voltei a sentir medo e vivi a experiência ao máximo!

8. O que te deixou mais surpreendido no trajeto? 
Que pergunta difícil! Houve três coisas que me surpreenderam: a beleza do caminho, os peregrinos e o poder espiritual que se manifesta e cultiva. Em primeiro lugar, é genuinamente difícil descrever a alguém o quão bonito e mágico é o caminho. Caminhar nos bosques, ao lado de riachos e por montanhas é indiscritível! Depois, os peregrinos e as suas histórias vão marcar-me para sempre, trago comigo um bocadinho de cada pessoa que me cruzei e talvez seja essa a melhor parte da experiência. E claro, o poder espiritual, força interior e impacto da mente. Iniciar um dia de Caminho, caminhar 1km, 2km já com dores no corpo, e mesmo assim ter a mente motivada para os 20km seguintes é muitoooo desafiador. Continuar a pôr um pé à frente do outro mesmo estando cansados, com a mochila pesada,… é algo que só é controlado com a mente e muita força de vontade. Sinto mesmo que um peregrino depois de viver o Caminho, é capaz de tudo na vida e este sentimento é especial.

9. Qual foi a melhor refeição do caminho?
Depois de muitos dias a comer em restaurantes, bares ou até mesmo comida rápida de supermercados, posso dizer que a melhor refeição foi no quinto dia de Caminho, num albergue em que tive a oportunidade para cozinhar e fiz uma simples massa com atum. Acho que estava a precisar de uma refeição caseira e foi essa a razão pela qual me soube tão bem!!


10. Quem é que conheceste no caminho que nunca vais esquecer? 
Nunca irei esquecer o Reinaldo, vindo de Itália está a percorrer o mundo a pé. Tem literalmente a casa às costas e sinto que poderia ouvir as suas histórias durante horas a fio. O Rafael, professor em Salamanca, apareceu no meu caminho no dia em que fiz mais quilómetros (31). Apareceu precisamente a meio do caminho quando a cabeça já estava a ficar desmotivada e ouvir a sua história e conversar durante tantos quilómetros juntos fez com que fosse mesmo uma pessoa que nunca nunca vou esquecer. Depois há a Lia, Alemã e super querida! Sem combinar íamos ficando nas mesmas cidades e albergues então tornou-se uma amiga que vai ficar no coração! Conheci também uma família de portugueses, um casal que caminhava com os dois filhos, a Andreia e o Albino. É mágico ver a família toda junta a viver esta experiência, especialmente quando é preciso manter dois filhos novinhos motivados! Também há a Grace, a Sue e o Mike, e tantas outras pessoas aparecendo e se tornaram inspiradoras e para sempre especiais!

11.O que não pode faltar na mala de um peregrino?
Há várias coisas que não podem faltar! Vaselina e meias próprias para caminhada para os pés, umas sapatilhas já bastante adaptadas ao pé, bastões de caminhada, alguns snacks, o passaporte, a vieira, um bloco de notas para ir escrevendo os melhores momentos do dia, no meu caso (por ir sozinha) um apito caso acontecesse alguma coisa, saco cama, chinelos (para o banho e para calçar depois de chegar ao albergue), coisas para tomar banho claro, dois conjuntos de roupa para caminhar, uma roupa para vestir ao final do dia, uma roupa para dormir e sabão azul. Isto é o básico, lavava sempre a roupa com que caminhava ao chegar ao albergue, não quis ir com muito peso na mochila e aconselho! Também levei pensos para as bolhas dos pés e kit de primeiros socorros, acabei por não utilizar mas nunca sabemos o que iremos precisar.

12. Se só pudesses dar uma dica às pessoas que estão a pensar fazer o caminho, qual seria?
Ir. Sem qualquer dúvida! Como me disseram quando estava a pensar fazer o caminho “O teu Caminho já começou quando pensaste em fazê-lo” e isto é real. Sem medos, sem dúvidas, ir e arriscar. Ninguém vive por nós e há experiências que precisam mesmo de ser vividas.

13. Qual foi a tua reação quando chegaste a Santiago? 
Foi uma sensação surreal! Confesso que ao longo do Caminho, com muitas dores num joelho, questionei várias vezes como chegaria a Santiago. A questão nunca foi desistir, ou não chegar, foi sempre como chegar. E fosse fazendo gelo, descansando as pernas, ou andando mais devagar… cheguei. Ao chegar chorei muito. Não só por ter conseguido, pelo sentimento de superação e orgulho, mas também porque significava o término da experiência. Fiquei muito triste por acabar e não paro de pensar no próximo Caminho mas as memórias do primeiro vão ficar sempre comigo!

14. Tens alguma música que marque o teu caminho para acrescentarmos à nossa playlist? 
Para ser honesta não.

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